terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Violento

A doença já me chega como um mito que ascende pelo mar. Uma profecia não profética que aos poucos me mutila. Mas a bem da verdade, é que sou parte e consequência da moléstia. Permuto contra a morte cada célula. Me desaproprio de mim pela continuidade da Transformação. Ela que no fundo, é a própria face da violência em seu estado bruto.

Enquanto me engano pelo Equilíbrio. A inércia do pêndulo sem fim.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Aos meus

Caio
Como quem paira
Do avesso

E danço
A densa
Dança do tropeço

Me sujo
Da limpeza
Que me pesa

Mas levito

E revido
Pela mordida
Do meu beijo

O alimento
Que começa
E que me encerra

Os teus olhos
Refletidos
De infinito


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Epifania da fome

Meu presente indicativo
No plural da primeira pessoa
Que atravessa a rua
Pedindo esmolas
Para as almas já perdidas
De tanto jogar o jogo.


quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Relato 1

Há 1 mês e meio atrás, eu projetava a dimensão que a paternidade ia ter na minha vida. Já havia sentido o movimento dos meus filhos na ponta dos dedos, visto e descoberto as suas silhuetas em branco e preto e até ouvido seus corações acelerados. Mas a ficha não havia caído.

Quando eles nasceram, a sensação era a da catarse mais pura.. um sentimento total de quem se depara com o indescritível. Nesse último mês, a minha vida se transformou em absoluto. Esse sentimento indefinido da hora que eles gritaram para o mundo já se tornou por alguns momentos o maior dos medos, a quase exaustão, mas sobretudo, a sensação latente e crescente do maior amor do mundo.

Dois seres na função total de se adaptarem a um mundo que não escolheram nascer. Eles, na expressão máxima da vida e da sobrevivência, na sua relação com todos a sua volta e principalmente com a força descomunal da maternidade, vem me ensinando mais do que qualquer livro ou experiência.

Passado o dia dos professores, eu agradeço por essa sabedoria constante que me chega de presente todos os dias através deles e do que eles causam nos outros. Apesar de toda falência cognitiva que nos acostumamos e que nos distancia uns dos outros, a vida é um elo que nos reconecta com o essencial. Nela cabe um mar de ensinamentos maior que tudo.

Sou cada vez mais as partes daquilo que já não posso mais controlar, mas que me são por inteiro. Repletos de afetos, meus filhos que aos poucos se tornam cada vez mais parte do mundo do que minha, me tornam cada vez mais responsável por todo o resto. Agradeço por esse sentimento de partilha mas também de pertencimento.

Obrigado.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Imanência

O cansaço já se torna a parte fundamental da minha estrutura.
E meus sonhos são tangíveis como a chuva.
Não há futuro.
E também não derivo da eternidade do presente.
Mas sinto a saudade correndo em minhas veias.
Talvez eu seja, essa memória incompleta que vaga, como um corpo que procura o equilíbrio osmótico.
Ou ainda um coletivo singular no sentido da dissolução libertadora ou da reprodução revolucionária dos afetos..
Meus filhos choram de fome.
Nada é mais potente que isso.

sábado, 21 de setembro de 2019

Imagine

Se toda criança
Fosse sua

Se toda morte
Fosse dos seus

Se toda beleza
Fosse nua

Se todo outro
Fosse eu




quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Livre-arbítrio

Pelo canal do umbigo
A ácida seiva que te nutre.
Você não pode escolher.

Pelo canal da vagina
A ácida brecha que te abre.
Você não pode escolher.

Pelo canal dos mamilos
O ácido leite que te sacia.
Você não pode escolher.

Pelo canal do estômago
O suco gástrico que te corrói.
Você não pode escolher.

Pelo canal dos ouvidos
A ácida voz que te chama.
Você não pode escolher.

Pelo canal da laringe
A ácida resposta do mundo.
Você não pode escolher.

Pelo canal do desejo
O doce gozo que te ilude
A achar que você pode escolher.

Pelo canal do tempo
O ácido fim que te espera.
Você não pode escolher.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Casa incompleta

Pensa na palavra
Malabaris
Pensa na palavra
Malabaris

Seja um louva-deus
Reze com a foice
Ceife a palavra pelos ares

Pensa na palavra
Chamariz
Pensa na palavra
Chamariz

O desejo é um cheiro no vento
A chuva pelo encanamento
A palavra afogada no chafariz

Pensa na palavra
Que que se quiz
Pensa na palavra
Que que se quiz

Um queijo
Que é a própria ratoeira
A palavra
No gozo da meretriz

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Fronteira

Apodrece a noite enluarada
Tranço o transe que transito
Na ribalta da cidade sitiada
Reflito o refluxo em que hesito
A sorte é uma lâmina afiada
A morte é o pedaço que limito

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Soneto da transmutação

Sigo sentado ao convés
Na conveniência do vento
Sinto entre os dedos dos pés
A calma do mar violento

Salga o doce na boca
A espuma engana a visão
A força do mar é oca
À rocha da desilusão

Mas sábia é a força do tempo
A consistência do ar
Diz que "tudo é movimento"

Da pedra à areia do mar
Ao móvel monumento
Do breu em brilho solar

domingo, 11 de agosto de 2019

Poema ao pai

Me deparo
Comigo
Num semblante seu
No queixo
E no jeito de olhar o mundo

Me deparo
Comigo
Olhando a mim mesmo
Através de você

Me lembro
De como dilacerei
Um sonho
Quando te pedi
Ainda pequeno
A nunca mais me chamar
De Petico.

O meu maior genocídio.

Me deparo
Com meu futuro
Agora
Nessa lembrança
Imanente
Que aguarda e olha
Dois peticos
Como quem olha a você.

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Tatazinha

O relance no olho
Um ipê rosa no meio da noite iluminada
A lembrnaça na forma da saudade de você.

domingo, 28 de julho de 2019

Atestado

Você caminha o passo dos mortais.
Dobra a esquina e se depara com o impossível.
Percebe que ele é mais frequente do que se imagina.
Como um micróbio ou ácaro, vive em colônias em seu travesseiro.
Você acaba por se perceber como sendo alimento do impossível.
Um substrato em que ele contamina e mutila aos poucos.
De repente, o impossível já infectou qualquer perspectiva.
Agora, você está imóvel ou se movimenta em função de sua inércia em relação a ele.
Tudo começou naquela esquina.
E passou então a estar tomado pelo impossível.
É ele quem escreve o texto como um atestado de óbito da ilusão.
Ela que via a pluripotência em cada caminho.
Neste momento, asfixiada pelo impossível.


quarta-feira, 24 de julho de 2019

Mulher

(e)ternamente par
o destino na gestação
do acaso

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Design bruto

Estilhaço -

De repente.

A poda lancinante -

Rotina
Guilhotina

Diamante

Sombra
Feminina

Cristalina
Névoa
Na retina






sábado, 13 de julho de 2019

Poêmio

Marjeia o meio-fio
Como quem dança
A beira do precipício

Desatina um verso
Como uma calota polar
Desbrava o oceano

Entrega-se a noite
Como um exilado
Se nutre da saudade





quinta-feira, 11 de julho de 2019

Sem teto

Eu penso nos rendidos que filam as bordas do desdém. Aqueles que sequer viram estatística. Que se escondem sob o ritmo frenético da sobrevivência urbana. E driblam os carros como se quisessem viver. Aqueles os quais desvia a procissão metálica e que servem a referência do medo, da reza dos normais, de suas paranóias. Os donos dos olhos opacos, imersos no horizonte sem ter um palmo de esperança diante de si.

Eu penso neles, e nada faço enquanto o tempo corrói a culpa. Amanhã, sigo no desvio de não pensá-los. Sigo a missa silenciosa e programática pra que o acaso me salve da colizão inevitável ou do destino de me tornar um deles.

Deve amanhecer em breve sob a marquise, e sobre as pedras afiadas das estalagmites fabricadas pelo novo plano de governo. O rolo compressor não cessa, no engenho, no ciclo do centro do tempo paralítico. O sol já esboça prolongar o sofrimento daqueles que morrem na tuberculose da noite mais fria.

Eu tusso.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Previsão do tempo

Enquanto dorme, a frente fria se desloca.

Um certo vento que se dobra ao relevo dos trópicos.

Cada palavra medida nas minúcias de uma vida inteira. O entreolhar firme e cândido da compreensão. O perdão na sua forma mais pura. E também o sexo, despido de erotismo mas repleto de amor. 

Tudo rende-se a expectativa da frente fria, que chega sorrateira sem tremular as árvores.


sexta-feira, 28 de junho de 2019

Caindo na real

Curva luz
A gravidade poética
Te ensinando na marra
Que a última tendência do espaço sideral
É o encontro



quarta-feira, 19 de junho de 2019

Os conselhos aos meus #1

Sinceros
Sejam,
Filhos,
A si
E ao sol.

A ele, a lua
E consigo


Sigam
Do sol

A arte
De poder
E o breu
Iluminar

Sigam
Da lua

O transe
De mudar
E o reflexo
De seu par.

Tubarões de Recife




(Prendo a respiração)

.
.
.

     Em minhas reservas
Equações são frases que se explicam
E se fazem letras

      Produzimos códigos que brincam com a experiência que o mundo tem de si mesmo

       Escrevo aqui de uma gaiola de Faraday sobre a tempestade que inunda uma cidade

       Uma mulher morreu afogada em um túnel
Não sabia nadar

      Aqui estamos
Submersos em números que não nos ensinaram a contar

.
.

Parkinson

Eu vejo um casal de velhos
Não há nada encantador neles
Apenas velhos
Humanos velhos
Que fizeram coisas humanas durante um bom tempo
Que pelo visto se aturaram
A si
E um ao outro
Por muito tempo
Eu vejo apenas o tempo
E seu acúmulo de detritos, de manias
Eu vejo o tempo como uma forma de vício
Um vício inesgotável e insaciável
Que deturpa o espaço-tempo
Que nos empurra como um desejo indecifrável
Feito um espasmo muscular involuntário
E nos entrega os pontos como aqueles velhos que se suportam
E se curvam de tanto peso
E aceitam
Resistindo ao não

Os auto-conselhos #78



Pressuponho que visite em cada encontro
A parte irreconhecível de si
E se apoie no grotesco
Pra ver que a beleza é uma concatenação
Programada de todas as doutrinas que te fizeram engolir
Daqui por diante
Idolatre os ídolos mais esdrúxulos
Eles te ensinarão que tudo é um ato de fé
E que a fé é uma folha da árvore dos costumes
Não se acostume
Corte as raízes de tudo que achar verdadeiro
E construa as histórias na verdade maior
De que toda escuridão é uma página em branco

sábado, 15 de junho de 2019

Esperando (Godot?)...

Na sala de espera
Um aroma doce de laranja
A bossa nova e o ar condicionado
Hermeticamente regulados
Para o conforto total do ambiente
Da sala de espera do proctologista.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Triptmico

I could measure the frequency
The in and out and you and me
...     ...     ...      ...        ...     ...     ...    .

terça-feira, 7 de maio de 2019

Sonda ao insondável

O peso dos órgãos sobre o corpo
O ar atmosférico
E um alarme falso que não cessa de tocar
O ambiente esvaziado de direitos
E repleto de culpados
A respiração profunda
E a cultura na forma de um átomo
Que cruza o éter inevitável
A noite em sua forma total.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Toda palavra desfigura o sentimento


Afio um texto de silêncio
Um agasalho contra o frio

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Frenezi

Existe uma força no vento de popa
Que sequer interessa se te leva ao penhasco.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Ultrassom engarrafado

No espaço da pele que alimenta, dois seres irmãos em formação. E eu paro e penso, no equilíbrio amniótico e no corte do ultrassom que já desenha as figuras dos crânios e seus esqueletos delgados. Imediatamente seus corpos se movem. Dizem os estudos que fisiologicamente já procuram o peito, mesmo que recebam o alimento da extensão do ventre. Procuram enquanto já encontrei tudo. Me sobra a partir de então, a responsabilidade de acompanhá-los e de conduzi-los sobre o sereno dessa noite iluminada.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Roquenrou



Deduzo das madeixas da medusa
Que me uso como pedra
Pra que ela me seduza


quinta-feira, 14 de março de 2019

Cesariana

Daqui
Enquanto trama,
O infinito.

O destino
Dos caminhos
Se retramam

No mantra
Deste manto
Que me encanta

O corte
Longilíneo
Que me encontro.


terça-feira, 12 de março de 2019

Gradiente

O engodo agudo
Que eu trago

Traio comigo
E lavo

Na água
Enlameada
Da calada


....
Mas de repente

O fel aurora 
Em madrugada

Engulo
O sibilante
Canto da alvorada

E tudo
Expurga
Ao mel 

O purpúreo
Céu
Em disparada

Sob a abóbora
Abóboda
Enluarada

A repetida gênese
Da gema
Do ovo

O anúncio
Do sol
O seco cio
Do novo.

domingo, 10 de março de 2019

Tendência

A galope
Em batimento
A voz alta

O coração
Do pensamento
Que me falta

A sobra
Do silêncio
O vacilo
Que me chama

Fogo -
Irmão do frio -
Queima o tempo
No pavio

Celere fluxo
Do rio

A calma
Não acalma
Dilacera


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

O breu total da via lactea

Velejei
Por essa vela
Acesa
No breu total
Da via lactea.

Duas luzes
Reluzentes
Dois olhos
Duas sementes
No breu total
Da via lactea.

Pelado
Sobre o frio
O livre lobo
Do vazio
Sob o breu total 
Da via lactea.

O germinar
Do imediato
O alimento
Inconsciente
De duas estrelas
Cadentes
Que atravessam
De repente
O breu total
Da via lactea.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O ser em formação

Eriça a brisa
Sobre a pele
Acalma o leve
Frio na barriga

Irriga o breve
A doce espera
Pela vida

Meu cedo grão
Sendo o fluxo
Do sexo
O sim sobretudo
Ao não

Crescendo
Sobre o nada
Enfim

Por ser
Uma parte você
E outra parte de mim.

Haicaindo na real pt 3(?)

Light as grain
Of sand in rain
Life remains

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Tecido da vida

Todo sentido do mundo
Na cabeça de um alfinete

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Haicaindo na real pt.2

No reino das bolhas infinitas,
Passa lento e calmo um projétil.
Reza a lenda que é a ficha caindo..

Micropolítica


Um muro na forma do horizonte
Tão denso e alto quanto um elefante

Entre dois abismos, (o muro)
(O nada e o lugar nenhum)
Separando o quarto do mundo
Na metade entre o tu e o um).

Haicaindo na real pt. 1

O medo é o sintoma
De que ainda não somos
Completamente babacas

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Aforismo sobre o dado viciado ao infinito


Todo argumento técnico leva em consideração premissas ideológicas.

Por trás do cálculo matemático existe a crença na universalidade dos números e de seus princípios básicos.

Toda regra só existe enquanto regra pelo consenso de que ela deve ser respeitada.

Claro, MAS apesar da força da narrativa e da fé que ela envolve.. existem os fatos, que na relação com o tempo e na prova material da sua existência impera sobre qualquer teoria ou conjectura. 

A graça da ciência, portanto, é o princípio de que ela pode estar sempre errada na contraposição de um fato novo imponderado.

Em outras palavras, mesmo a teoria de que estaremos todos mortos no longo prazo é frágil diante da possibilidade de haver um homem imortal.

O devaneio, a teoria, o bom senso e a própria chamada verdade são sempre reféns do improvável.. da marginalidade do impossível.


terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Nuvem

Faminto
Como o que some
E somo ao insumo
O sono do insone

Dissimulo o que
Assimilo
Som do acumulo
De tudo que some

Semeio o somente
O resumo distante
O estar sendo ausente
A fome constante

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Terra plana


- Nada além da verdade -

Nua e crua
Muda e inteira
Sem rima ou musicalidade

- Nada além da verdade -

No mar da fantasia
Um estupro
Sem heresia

- Nada além da verdade -

Cintilante poesia
Névoa opaca
Rubra nave sombria

- Nada além da verdade -

A bala calma e breve
Atravessada e leve
A falsa valsa da saudade

- Nada além da verdade -



Empalhado

Parto a partida
Disseco o tempo
Recheado de acaso

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Bico

A boca pouca
Coube oca
No beco louco
Da tua boca

Agua e lingua
Banca louca
Bica o bico
Da minha boca



terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Estrangeiro

Só encontro em português a bibliografia dos meus sentimentos.
Na angloamerica, posso deduzir todo o meu entorno. Os gestos, acenos e a interlocução de um povo que busca a oração como um reflexo plástico daquilo que assistimos pelos monitores made in china.
Tudo isso parece funcionar muito bem. O mimetismo dos infinitos carros em sintonia. A dança robótica da freeway. Os sinais de stop plenamente respeitados por um grupo de freemen pilotando as suas respectivas Harleys personalizadas.
Nada disso parece conectado com as minhas obsessões portuguesas e meu dialeto brasileiro. Mas sigo interessado em observar e sobreviver, tal qual um pombo no meio da Central do Brasil nesse forno do inferno do verão carioca.

Insaciado

Despida em público
A pena de um pássaro não identificado
Do escuro, posso sentir os olhos atentos de um animal em toda sua natureza
Faz frio no calor de quem tem febre
Não sei se teme a morte ou mira a minha vida pra se alimentar
A fome é o único som no inóspito desatino do poema.