quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Corrida ( parte I: o passageiro )

Com uma pressa irremediável ele entrou no táxi. Pediu ao motorista ofegante que seguisse o horizonte. E assim o fez sem perguntar. Aquela já era sem qualquer comparação a corrida mais longa que o taxista fizera em sua vida. De olhar obsessivo e inquieto, o passageiro era calado. Coçando a alva barba fitava o caminho com uma atenção maior que a do motorista. Quando não sobrou mais gasolina, número que coubesse no taxímetro ou paciência ao piloto, este parou e disparou que não poderia mais seguir. Disse que era noite e que necessitava repousar. Dando-lhe a quantia ordenada, o passageiro saltou do carro, e do jeito que estava continuou seguindo a estrada enquanto o táxi pegava o primeiro retorno. Em passos largos, era a terceira vez que ele passava por aquela esquina como por tantas outras que havia passado. O mundo se repetia, mas o mundo só é redondo para os fracos. E ele permanecia convicto de que estava indo pra casa.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dos dançarinos do escuro

- Sai dessa, não existe luz nenhuma no fim do túnel. Vê se aprende a dançar no escuro.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Fajro

A gravidade fiel ao magma
Conduz-nos ao âmago da terra
O homem olhando as estrelas
Chamam o chão de inferno
E o impossível de céu.
Blasfêmia!
Eu abraço o chão.
A montanha é o monumento
Da Guerra de todas as guerras
Do Fogo contra o Frio,
Do Ódio contra a Obediência,
Do Amor contra a Morte,
Da Vida contra o Nada.
O plácido e o imparcial são para os fracos
E meu coração pulsa vermelho
Indolente.
Sou filho de Hades!
Na intermitência do Sol
E do centro da Terra
De uma estrela e outra
Sobra a farsa
O frio, o vazio, a mentira!

Febril me desnaturo no teu cruzar de pernas
E me enlouqueço no verão do teu ventre.
Derreto-me.
Sou a ebulição de mim mesmo
Fulminante como a cor dos teus lábios
E a paixão do teu sangue.
Eu sou a lava que corre pelas suas veias.
O calefar das lágrimas.
Eu pulso no limite da força
O nascimento constante.
Eu sou a sífilis.
Filho do fogo e amante da loucura.
A explosão, a luz e o som.
A liberdade indomável
E o orgasmo de uma nova mulher.
Eu sou a cólera, a criação e o caos.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Revolução

O mundo nunca muda.
O que muda são os olhos.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Seiva e raiz

Hei de plantar teus lábios
Irrigarei o solo dos sonhos com suor

E no lapso do tempo
Ver emergir o botão da tua boca
E as tuas coxas feito caule
Frágeis e perfeitas

Nos invernos o orvalho de lágrimas
E o sereno das noites de verão
Os beijos

Te colherei sempre
Com o afinco que te cuidei
Nunca para amputar-te
Mas pra lembrar-me do polém
E da certeza de que um dia já me bastou uma flor
Ao jardim inteiro.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Espectro, eco e eclipse.

Quem sou eu?!... Quem sou eu?!... Quem sou eu!?!...

(Dianto dos ouvidos, o eco)
(Diante dos olhos, o eclipse)
(Diante da boca, a epifania)
(E diante de si:)

A luz é um disfarce do breu.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O abismo e a borboleta azul

Ante a tudo que tive
(O descabimento de nós dois
Coube o mundo em nossas mãos)

Ante a tudo que vi
(Eu contemplava o precipício
Com a certeza de quem voa)

Ante a tudo que fui
(Era um porém dois
E dois no limite do infinito)

Sou o deorama da música sem fim
Que pendura a memória
Como o olho a lágrima.

Não quero e não posso ser
Senão a tua falta.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O oitavo selo

Depois do mártir e da morte, Deus veio como a pedra. E ela disse para o viajante que a vida para os homens é o estado perfeito da teimosia. O viajante era ouvidos. E ele ouviu que as pedras eram a vida em concordância com o Universo, e que os homens lutam pra sobreviver, que acreditam tolamente na existência de um estado além do de viver, que não se pode "sobre-viver". Viver já é. E a pedra, sendo, disse ao viajante que eles tinham um ancestral comum, que o firmamento era a existência, e que tudo existia. Depois de sete revelações e da comunhão com o infinito, o viajante abraçou a pedra. E a pedra chorou.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Meta-

Olhar sobre olhar
Falar sobre falar
Dançar sobre dançar
Flertar sobre flertar

[Você verbaliza o silêncio com os olhos
Mas não há metalinguagem que resista
Quando eu meto minha língua em você
E tu suspiras a linguagem da natureza]

Um orgasmo sobre o outro

Eu
sobre
você.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Literalmente

quanto mais eu sinto a necessidade escrever sobre tudo,
mais eu sei que a palavra é uma farsa.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Esgota

Chorar é verter o espírito
E num desague singelo
Ele disse todo seu amor
Ela secou feito a morte
E no derramar do pranto
O amor se foi pelo ralo.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Deognóstico:

Eu desconheço qualquer atributo de Deus, senão o da paranóia.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Poema à bolonhesa

A verdade é um esboço não levado a sério
O coração rejeitado no relance

No instante do acidente
Ou num acidente instantâneo

E no incidente seguinte reinou o banal
Com sua soberba e luxúria

Microondas
2 minutos...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Abraxas

Teu flerte me furta
Quando não sei se é o gene recessivo dos teus olhos
Ou o próprio olhar subversivo,
Só sei que verto.
Verto-me pelo escorrimão das tuas bochechas
Salinando a tua boca
O gosto dos receios
E no oceano de lágrimas da tua fonte
Eu lambo teus seios
Até me fazer duna
Até a facínora sorte
Chupar toda essa espuma
Que esconde por detrás dos dedos
Nesse martírio que é o teu flerte fingido de pranto
Na blasfemia do santo
Estou na órbita das tuas
E me basta erodir pelo teu dorso
Até conhecer o teu ventre pelo jeito mais fácil
Pela fissura do corpo
E no pouso
O selvagem é um gesto dócil de beleza
Eu morro como que nascendo um mundo
Permanecendo cadente no fundo, no âmago de todas as sinas
Na translação da natureza, meu sêmem na tua vagina.
Teu ventre, a minha certeza.
E depois o silêncio do espaço
A compreensão sideral dos astros
Plácidos como a condição humana
Incondicional ao amor
Incondicional à tudo que emana
Aos olhos de tudo que for.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sobre a estética da queda

Numa gravidade de distância
Do alpendre ao chão, o vislumbre do horizonte.
Tudo é desencanto.
O horizonte é a prova que tudo cai.
Toda esperança tange a Verdade
E a verdade é que tudo cai.
Tudo cai, e nada é mais belo que o cair de tudo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Agora

Um feixe de entalhes destoa o erro
E o sangue, enrubrecido do mundo, coagula.
Comungo com a sombra do fechar de olhos
E ao abrí-los, o pecado e o firmamento de te ver
É um milagre cru.

Acre, dissolvo minha língua na tua,
e os calores enlaçados em um
fazem da chama, o frio,
do toque, o éter.

Sou pura espécie em teus quadris felinos
Firo-me do fogo
O fluxo inquisitor do vale das tuas costas
transborda de suor, o elixir do Lete - do êxtase
Que trago e ébrio morro
Porque esquecer é a morte
E não me lembro se sou eu ou você.
Se fui, o amanhã é tarde.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

À forma

Além

Viver é, sobretudo, transgredir a existência.
Desertar de viver é esperar.
A santidade é dos inconsoláveis.
E o segredo permanece imutável na transmutação
Da matéria em forma
Da morte em vida
De mim em você
Da palavra em universo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Poema abissal

A vida é que é cega.
O amor é

mais um busto
na escuridão.
E no gesto
táctil
das coisas, eu
simulo.
Simulo
escrever a poesia,
desencarnar um amor
que nunca foi, sempre
sombra.
Sempre
abismo.
Semprecipício.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Nós-logismo

Se a realidade é um sonho coletivo, destruiremos o mundo! Afinal, eu não sou, eu somos. E ser é a perene revolução do imponderável, e toda palavra, um manifesto.

sábado, 25 de setembro de 2010

Criação (Ao parapeito)

Embalsamado do Vazio
Assomei-me ao nada
Ceguei-me do calor das coisas
E tudo porque não se lidar com o irreversível.
Eu sou a delinquência do mundo que eu crio.
Fora disso, só o impermanete
Que me abraça
Estalando os ossos
Na imprecisão do ofício de pensar que o pesadelo é um sonho
E que o sonho é a realidade.
Quero morrer como que acordando para o tangível
E tanger-me de todo o éter que te faz, mulher.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Agouro (Da Troposfera ao Temporal)

Sempre fui núvem pra você
Em seus álbuns e memórias.

Sempre tapei o teu sol
E te anunciei o dilúvio.

Sempre invisível cirrus
ou um cúmulo tormento.

Quando perto de ti,
a neblina
entre você e o mundo.

Sempre inalcançável núvem
Passageira, efêmera núvem.

Mas nunca percebestes que
não era necessário subir
nas mais altas montanhas,
que jamais subira.

Sempre toquei-te nas chuvas de verão
Tornei-te o sol tenro
E afinal, a núvem é o mar transmutado
O rio na forma celeste
Água e ar
Sempre fui flúido.
Nú.
Um ciclo inobservável.

E de que adianta,
se não me guardas no selvagem,
mas numa estação.

A núvem transeunte dissipada no céu.

O destino profetiza o cataclisma
para os que esperam.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Glote

Assombrado pelo descabimento
Já não me cabe nem mesmo o assombro,
A vida só me faz sentido
Sentindo-me ao pé do algoz

Não é porque não se existe resposta
Que se deixa de fazer a pergunta.

A pergunta prescreve uma suposição.

Mas a conjectura não existe
Num mundo essencialmente descritivo.

Mas se não existe descrição
Para o que se sente,
Porque escrevo enquanto deveria gritar?

Mas o grito é uma poesia inscrita,
E eu quero te gritar, :
Descrever o que te faz sentir
E escravizar-me de sentimento,
Degolar-me no genuíno gesto
De pensar em você.

sábado, 11 de setembro de 2010

Terrasea

Sou náufrago de mim,
Minhas saudades são sonhos imemoráveis
Meus olhos, a ilusão dividida
Sobre a sentença, a realidade descansa
Na mentira da aparência
Meu deserto é o destino
Um oceano de areia movediça.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Choupo e neblina

Sobrou, então, o Vazio.
O Esgotamento.
O Efêmero.

Tudo derramou.
E num pranto seco, o que foi pólem apodreceu.

sábado, 28 de agosto de 2010

Céu-metria (poêmia)

Num horizonte ébrio
Turvo diagonizar cada linha

E poro por poro vou expelindo
Tudo que latejei por você

- Cada vibração, cada pulsar
de um firmamento meu
que a tinha hipotenua, sedente
em láctea tocante supernova -

Tudo liquefaz sentido -
Constelar num sopro
O que contei uma vida inteira:

A distância é o que faz o dia ser dia
E a noite ser noite.
De perto, o sol te traga
De longe, as estrelas te esquecem.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Transcendência

Cesso de lutar com o destino -
Todo porvir é presente.

Cesso de lutar com a palavra -
Toda verdade é um gesto.

Cesso de lutar com o ego -
Tudo é unidade.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Implacável

No corte, na sede,
Na fome, no medo,
No azar e no zero.

Enquanto houver deserto,
Eu procuro o mar,
Pra chamar-lhe de praia.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Plexo solar

Um céu de nada cintila sobre os ombros
E o espírito colado pelos olhos
Derrama um sorriso

-o orgasmo de que o sol
um dia não fará mais dia
e se consumirá por um buraco,
negro, como a pupila pela qual
serei eternamente vertigem-

Eu passo e.... espero...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Táctil

Soar feito sonho
Um dormir induzido;
E por como e qualquer canto
Um talvez-porquê enfadonho
Descansa entre a fronte
E o travesseiro vazio.

- Sinapses sonambólicas
Tecem profícuas -

E num eco
O lapso julga as milhas milimétricas
Entre as dermes de uma mesma cama.

O choro feito lava escorre pelas mãos.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Memorável

Das têmporas faço temporais
E fossilizo o gesto
Na contagem regressiva de tua extinção
Tudo passa
Mas sobretudo você, pela minha cabeça,
Desde a antiguidade
Até o derradeiro cataclismo.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Poema terminal (malditando - escarrotologia)

Um tanto ao qual
Verbifico os meios,
Medito.

Dito-me contemplações conjuradas
Pelo fora de mim.
Anseio-me por mentiras rasgadas
Num silêncio rouco.

Pasmem, leitor. Num espasmo da tosse, curo a dor-de-cabeça com um revólver. Essa inspiração desmedida, encontrei por fim no exagero dos lençóis.

E embaixo da cama, a expiração mundana, sôfrega e encatarrada, revela a mim, paciente, o que se pode revelar ao que se põe pelos fins.

Nasci já pelo fim. Substrato de antemão de fungos e bactérias. Esse êmbulo, que é a vida, já me ejacula gradualmente em gordas gotas de torpor.

Fica um beijo aos inertes do universo. Salto do ônibus porque sei que o frio que teleologizo é bem maior que o desse inverno subtropical.

domingo, 23 de maio de 2010

No monólogo à dois, a Razão, como que desistindo diz:

- Sentido, sente-se ao meu lado, e se sinta à vontade de não se fazer.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Projétil

Como parte dos dedos, a inocência coça a realidade. De raspão. O arrepio. O interstício impossível e uma pedra sendo atirada. O ponto. O carinho com os olhos. O gume da lâmina. A paralisia. A adrenalina e a paralisia.

Quando pensar já não te livra de nada, só lhe resta vomitar.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A escatológica (a lógica do eco)

A humanidade nasceu com a primeira pergunta proferida no universo.
E o universo, em sua reverberação, matará a humanidade sem resposta.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Sobre a certeza labiríntica

Ai, esse mundo! Esse mundo cheio de exigências. Não aguento esse mundo de exigências. Fodam-se as exigências! Eu quero a ilusão, e quero me desiludir com a ilusão como um apaixonado. Iluminar-me do aleatório. Esse aleatório fatal dos românticos. O aleatório que é mais que um complexo inconcebível. Quero, enfim, provar que alguma coisa ainda pode fugir da realidade. Quero poder salvar qualquer coisa da violência que me preenche.

terça-feira, 11 de maio de 2010

ánima (o lapso em contraponto)

Ocasionada, a esquina intangível de mil almas
Deu-me a tua no relance.

E por essas e por outras que o lapso me permite
A chance do descuido.

(A vida é irresponsável na sua arte de pincelar a violência.
A genialidade advém de saborear a estética,
Tendo consciência de sua condição de parte
Da imagem violentada)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O campo de trigo

Mendigo os segundos que me esquecem de pensar.
Interpelo, assim, ao corvo, que gralha o som
Do sol, o mais opressor dos astros.

domingo, 9 de maio de 2010

Obscer

Poupo a circunstância
E tropeço perdão por delitos idôneos.

Em tempo,
Tomei como partido o inteiro dos teus lábios
Mergulhando-me inerme entre seus rins.

No agora
Faço todo, tomada parte da cena
Contemplada inerte pelo obsceno gesto
De falar o que se pensa.

Não obstante, ela, que me consumia,
Obsessiva, sangra pelo instante
Em seiva, em perfume e torpe,
A negra flor do ciúme.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Pela ribalta de vidros abertos

Um falso crepúsculo incrusta-se no madrugar da noite. O fitar dos gatos e o silêncio do frio, me refletem os postes o quão alagado é o mar. Acautelo-me horizontescamente pela lua. Já me retomando de oblíquo, os para-brisas e meios-fios me urgem às proporções. E só me vem ao porta-luva as improduções de sempre, dizendo que o inverso perfeito foi a sorte de ter te encontrado sobre o azar de ter existido... Atropeladas epifanias, os quebra-molas me esperam impassíveis conforme minha onipotência é abalada pelo tanque - agora quase cheio. Combustei-me ao longo da auto-estrada, parte de mim sublimou pelo caminho. Mas não deixo de perseguir, intacto, o horizonte, simplesmente por querer-te um dia ao Índico.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Um limbo e ½

Precisei precisar cada vírgula
Do imensurável
Para isso, degolei meus algozes
Pus-me ao leito e deleitei meus delitos
Por fim
Sonhei com o escatológico
Tornei-me então réu em meu próprio reino
E quando despertei cansado
Entediei-me
Mais uma vez com a desnatureza de acordar
O sol voltou
Como todo dia depois da noite
E como todo dia
Me levantei diante dele
Pois é
A sombra é o fardo dos que enfrentam o sol
De olhos pesados
No quarto cinza-laranja
As memórias do astronauta de pijamas...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cerrado

As pálpebras se encontram, umas nas outras. E os olhos, os olhos se lançam no escuro do próprio corpo. E não há mistério, firmamento ou universo maior que o exame de olhar de olhos fechados.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Des(a)tino

Na pontualidade do atraso te encontrei
E me fiz outro com o acorde que me deste.
No meio da cacofonia do mundo,
A melodia impossível das duas cordas
De um violão desafinado.

deux cœur, de cor.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Soneto da esperança para morena de pintas

Meus cílios gotejam com engodo
Pupilo do piscar das suas pupilas
Nossas lágrimas imitadas diluídas,
Embebidas pelo acre do absurdo

No relance eu lanço como aborto
Cada qual, inesperanças digeridas
Tua falta me abre as feridas
Outro fantasma levanto absorto

Teu choro enchente que me afoga
No tango de nossas imprecisões
Teu beijo o poente que me afaga

No semblante de mil dimensões
Toda minha angústia naufraga,
Castanhos das mil impressões.

domingo, 28 de março de 2010

Suspiros

Minha realidade foi inventada por fantasmas
E mordendo as mordaças do mundo
Escrevo -

[Corto meu tendões com a caneta
O sangue escorre em tinta
E minha vida dura um virar de páginas]

Escrever é o escarro da alma
Cadavérica, apodrecida de espectros

E enquanto as mãos deles envolvem meu coração
Meus átrios, artérias, veias e capilares congelam um a um
Até me terem petrificado por completo
De dentro para fora

De fora para dentro
O banho gelado me assombra o simulacro de existir no escuro
O escuro dos fantasmas que não cansam de socar meu estômago

Na completude dos espaços
Em suspiro asfixiado
Sou só, angústia.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre o que não se vê

Cada canto incômodo deste cômodo
Me canta um espanto:
Se sentir é um exercício de tradução,
O dicionário suicída meu pranto,
E eu engulo como Angola
O sangue bastardo da pátria de mim.

O chão defeca fecundo e indefeso
Cada peito dos que fugiam
As valas razas de almas profundas
Pavimentadas em
Semi-térios comuns
Por minas especiais.

De ver em ver, cada-ver traça a certeza camuflada
De não passar de um Passado
Pisado, vivido, senão corrido, pela implacável solidão;
Agora, abraçada enfim pela terra
A qual sempre arranhou seu escarros e tormentas.

(A íris colorida é tomada então pelo dilatar da negra pupila)

sexta-feira, 19 de março de 2010

O contrato

O austro de mim pergunta detido e acostado
O que pode passar
Meus arrepêndulos cingem meus tempos
Metrônomos do esquecer
E já emaranhado em meus retalhos
Sozinho represento no diminutivo
O maior dos papéis
Declamo-me a platéia de mim, confessando ser
Eu, o diabo que compra minha própria alma.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Retrato per si

Tensiono por meus tendões as sinas
Bebo a alma
Desperto vertendo torpor
A vontade
E esqueço a saudade e a esperança

Sou, e me basta a contingência de ser, contigo.

domingo, 14 de março de 2010

Vertigem (Sem ver-te)

O medo de altura me faz olhar pra baixo
E na altitude de 1,90m
Eu me sufoco precipitado em você
Abismando-me
Eu caio uma queda sem impacto
Nossas gravidades me fazem sentir
O asco, o sabor da realidade
Da vida, enquanto a mais bela melodia mal gravada.

Mas nada é mais intenso, e eu quero gravar, que:

Sua mão entre a minha
Livrar-me do precipício,
Sua boca entre a minha
Livrar-me da grosseria,

Você entre mim
Livrar-me do peso de existir.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Hipoéticamente

E se me liberta-se do arbítrio?
E se viver for a contínua tentativa fracassada da morte?
E se a prevenção for a causa do imprevisto?
E se alguém ja tiver dito a Verdade?
E se Deus crê em deuses?
E se eu não gastasse bons versos em poemas canhestros?
E se pudesses ler todas intenções?
E se eu nunca singrasse por seus olhos?
E se um dia esquecer seu semblante?
...

Por todas incertezas, quero estar convicto de você.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Alquímica

Por todos os peitos o pulso do sol
E no voltar do carbono à terra
A repulsa dos ossos que desmoronam em cinza
E de estarem avulsos de um corpo
Fazerem parte do todo.

Poema espirrado

Por tudo que começa
A centelha do alvo de dois olhos
Em cada esquina
A sina da extravagância do flerte
No assalto da culpa
O latrocínio dos excessos
E não poupo a circunstância
De dizer, que agora, nesse detalhe
No monumento do momento,
As verdades foram todas ocas.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sempre que acaba o carnaval

o palhaço me fala que essa fantasia de humano não me cai bem.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A 300.000.000 m/s

E da pergunta última
A tentativa inconclusiva de se definir
Diz:
Eu, feixe, sou além do reflexo, o passado de minha própria sombra.

Mas para os íntimos:
Eu, poeta, nada mais que mais um desavisado com mania de intuição.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Afilando

Retire o que disse
Meus para sempres não passaram de por enquantos
E se o por enquanto é o segmento entre dois eventos
Demarco os planos - subsolos de você -
Apesar da intersecção dos enganos
Sentir e esquecer
Entre isso, uma sinapse ou toda uma vida.
Vai saber...

Em paralelo, na angústia do tempo
Blasfemo sinais vermelhos e quebra-molas
Vértices, Vertigens
Ordenadas desordenadas
E abscissas abissais.

De você espero nos enquantos a esperança.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Interlúcidos

E no fim, sei.
Sei que a raíz de todas minhas frustrações residiram na minha formação teleológica.

E no início, sabia.
Sabia que nunca soube de nada, a não ser que nada sabia.

E no meio, poderia saber.
Poderia saber lidar com o fim das coisas com a mesma espontaneidade do amor de uma mulher.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Tribunau

O séu
Limpo ou de dilúvios
Graniza Grãos ao Granito
Na rua Réus dúbios
Nublados de azul-claro
Esboçam Increpusculosos
Seus delitos

Flagrantes aparências
Juras jolgadas
O martelo ausculta
Os fatos
Não há sentença ao tato

Condenados
A solitária
O cárcere de um quarto
Sob custódia o afago
Fagocita a Lei

Advogam as causas
Em outra instância
A distância
E a sentença sem pistas
Conclui:
Prisão perpétua aos omissídas.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

ô

Teu ventre me sustenta enquanto afeto
Desprego atenção por afagos do teu sopro
Murmuro a sensação que me flutua até o teto
Eu sou rente de você um entorno torto
Mas os sentidos me despontam estar reto
Eu grito e desperto o que está morto
Pra lhe acordar o acordo mais incerto
Comprometo minhas vísceras ao conforto
Das incertezas no que há de mais secreto
Apelo tua derme arranhando teu entorno
As cócegas não enxergam o medo do incompleto
Sempre os dilemas que sorvo por estar perto
Dos olhos que salivam os fluidos do meu corpo
Só quero por todas as fraquezas estar certo.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Virtuócio

Hoje o ordinário pressupõe a ordem..
E a anarquia cada vez mais arcaica..

Enquanto míster dos mistérios
A vida, implacável como nunca,
Delibera seus ataques histéricos
E desatina as sobras da loucura..

Última-mente... ,.. (ensejo um bocejo)
Tenho mais o que não fazer do que escrever.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Nervos e números

Peço. Peco. Minhas escolhas não são palavras e tampouco têm cedilhas ou não.
(In)compatível cúmplice,
Complico o óbvio pra aproveitar.
Prover o improvável em porcentagens ilógicas.
A maioria de mim quer o incognoscível.
Mas um milionésimo qualquer prefere saber:
Qual o teu nome? Ou melhor, qual nome queria ter?
E o teu tanto faz se desfaz nas especulações.
Queria que nossa média aritmética fosse eu, ou você, sabe lá tanto faz.
Ainda nem aprendi derivada, mas sei, sem terceiros
Estou na deriva de você, dizimando-me periodicamente.

Inêxtase

Dubito incognito
Com meus cabelos
As unhas
Ergo
De frente pra mim
Levanto o cotovelo
Divagar sobre:
-Tá, depois que tu aprendes a viver só.. e aí, professor?
Sum
Ainda?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Indelével presente

Amarelos, os sorrisos e a lua
Lubrificam os desejos - no quarto -
Os castanhos arregalam os azuis
E o quarteto ensi-nua apagar a luz.

Os porta-retratos te maltratam
- Nos partos - de outros passados
Sorrisos e olhares ilhados drogaram.
Agora, na penumbra beijos alados.

A fotofagia dos nós dois é a lembrança do presente
Antes do depois, [os semblantes]

Tome-o, mas não o abra.

Nunca ou por enquanto, até que (eu) caiba todo em sua mão.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010