quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Bilhete narrado

Inacabadamente
Cabalisticamente
Um contagem regressiva
Regride-me
Ao grito primal
Eu podia sentir
O teu calor amniótico-
De fora:
O ar-condicionado que invernizou o mundo
De dentro:
Aquele velho edredon
O nosso sudário da sacanagem

Eu podia sentir
A juventude de nossos corpos
O brinde e o gole de todos os copos que eu bebi
De cada articulação de nossos músculos
Da distância infinita de dois narizes
Eu sentia o redemoinho do teu ouvido
E ouvia a brisa do teu suspiro

Eu podia sentir tudo
Até que deixei de sentir
Como havia deixado de viver
Parei de sentir..
E passei a lembrar

Uma lembrança quase objetiva
Um quadro de cada cena
Todos muito intensos

Lembrei de quando
Provei amoras pela primeira vez
Mas não sentia o gosto
Não sentia teu rosto
Mas lembrava dele

E como havia deixado de viver
E de sentir
Passei a deixar de lembrar
Como se meu espírito
gradualmente
resvalasse
pelo vale
movediço
da ampulheta

E agora
passo a ter o medo
da gravidade do mundo
como quando nasci
como quando nasci
como quando nasci
como quando nasci

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ricochete


Todos os lápis apontados,
Todos gatilhos puxados,
Nos tambores vazios, o 'cleck'
Na sorte certa da morte, o 'powl'.
O beatle não, doutor
Esse é hit, mais um hit
Dali na Síria do Alemão
No olho palestino
Nas costas do Sudão
Numa vala no Congo
Entre o indicador e o dedão
Calibre grosso de cano longo
Um outro hit
Em nome da revolução
Estamos quites
A poça vermelha da religião
Marchemos todos serenos
No ricochete da rotina
Até que a bala perdida
Nos encontre
Antes que saque do coldre
A juventude
De um pobre negro de atitude
Ou feche o saco preto que cobre
O que não queremos ver.



terça-feira, 27 de novembro de 2012

Efeito Borboleta

O que será do mundo depois que esse poema acabar?


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Intifada


Agora, a liberdade tem cheiro de sangue vivo. E não nos encontramos mais depois que as armas descarregaram. Me lembro do raiar de um dia, em que os zunidoz dos aviões imitam a noite e a estridência regressiva das bombas, trovões violentamente programados. À duas quadras, o corpo de uma mulher. À duas quadras... E agora, eu só tenho medo do canto do galo e do nascer do sol. A boca crivada de falas. Alá é maior! Alá é maior!




terça-feira, 13 de novembro de 2012

Anúncio


O gradiente cinza
A contagem regressiva:

A árvore alada
Queima a noite
Em praça pública
Chama horizontal,
Inquisidora madrugada

Feita espada
Amputa as putas de suas praças
Solfeja o bocejo dos insônes
E revela os gritos da calada

Desencanta a escuridão
Com o claro óbvio
Ululante.

A cruel ave de fogo
Desalma amores em ceifadas
As velas acesas
Já não servem de mais nada

Alvorada
Não há mais o foco
Tudo esclarece
No falecimento da sombra
Tudo reluz
No fio da faca

Cega alvorada
Não vês que a flor da pele
Não precisa de cor
Mas brota ao ser tocada

E no anúncio
do Quase,
Na lúgubre
Certidão de morte
Do Escuro
Os olhos dormem
Pra ver as coisas como são.



sábado, 10 de novembro de 2012

postum

nada é mais inspirador do que o que o melhor poema do mundo prestes a ser escrito.

e o sucesso de um fracasso enfeitado.


petróleo


as probabilidades
não calculam
a chance do
equilíbrio do dado por uma
de suas arestas
ou a influência
de seus resultados
diante dos fatos calculados
ou a vertigem da coincidência


eu me sinto vivo mastigando chiclete.




quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Dever de casa


Te ensinaram a ler isso.

Só não te ensinaram a desaprender.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

o coletivo


roletas
ressoam
em
coletivos
anônimos
todos
os
ônibus errados
levam ao mesmo lugar
errado

na rússia
as roletas
ressoam
em coletivos
anônimos
que levam
a lugares
errados

em serra leoa
coletivos
anônimos

em lisboa
lugares
errados

no rio
os ônibus
errados
cruzam a noite
rumo a lugares
errados

em todos
os lugares

em todos
os coletivos

os lugares
errados

atravessam
as noites
anônimas
pelas janelas
dos ônibus
errados.

até

até
que
o lugar certo
passa
mas
não para no ponto.