sábado, 29 de junho de 2013

Contagem regressiva

Cansei de recauchutar velhos versos
De extrapolar o ordinário na mesmice
Porque bem no meio do tempo
Bem no umbigo do passado antigo
Eu posso enfiar o dedo e sentir
a cicatriz
do teu amor mal resolvido
da tua origem sem sentido.

Porque no meio do tempo
há o mecanismo por trás do relógio
Uma roda que gira a outra
E a outra, e a outra,
a energia que movimenta
a primeira é uma pilha velha
carcomida de ferrugem
que o tempo não mediu.

O ponteiro é cruel
Ele aponta como eu
O seu umbigo
O tempo que nos resta
Até sermos todos umbigo
Um vazio circunscrito
Que já foi a ponte alimentada por alguém.


quinta-feira, 27 de junho de 2013

Letreiro

Um letreiro estroboscopicamente pisca no fundo do cérebro
Não posso ler o que está atrás dos olhos.


THE STATE MENT

THE BREEDER
THE BREAD
THE BREED
THE BED

THE READER
THE READ
THE REED
THE RED

THE FEATHER
THE FRET
THE FEET
THE FED

THE LADDER
THE LAD
THE LEAST
THE LAST

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Manifesto

Afino o pensamento
E o encobrem de cimento
O que me incorre do esgoto
É o tempo que se esgota
E a sola que se perde
Do sapato que separo

E lustro
E oscilo
E alucino
E manifesto

Cada centímetro
A rua está aberta
Do efeito imoral
Que nos condena

E fervo
E grito
E choco
Evoco
E corro

O que corrói este laço
A sombra o poste o asfalto
A multidão e o pedaço

Os buracos da lua no alto
Me lembram que toda paz
É uma mentira que se faz
Do subverso livre do caos

E volto
E chuto
E choro
E gravo
E fito
Revolto

Os cavalos
Domados de medo
E os tapumes
Nas vitrines de vidro

A verdade incorpora
Em estilhaços e fogo
E somos todos a espora
E o transbordar do esgoto.


terça-feira, 25 de junho de 2013

Maré

O membro vermelho
Do lado esquerdo do peito
Numa frequência esquizofrênica
A onda toma e dispersa
A areia calejada de dor
Infiltra movediça
Até que o sangue seque
Coagule no canto
Até que os olhos oscilem
Despertos na calmaria
Há nos patrimônios conserto
E no concerto dos sem vez
A maré retumba de sangue
A chacina dos sem nome,
Só se identifica o sargento
E que as balas embebidas do rio Lete
Desaguam letais como o silêncio.


terça-feira, 18 de junho de 2013

Arpoador

Guardo em uma de minhas muitas gaiolas, o teu desejo indômito. Em seu desespero singular, ele circunda a sala medindo espaço. Semanticamente, lhe atribuo outros nomes em novos lugares. A temporada passa feita a brisa escura de uma manhã de sol. O despertar difícil e aprazível do domingo, e só o subversivo significa senão você. O edredon feito o teu corpo, o calor feito o teu beijo. A gravidade me escancara de preguiça. E o bocejo é a resposta involuntária em tentar te engolir.


sábado, 15 de junho de 2013

Maresia

O tiro que silva passa rente
E há um zumbido constante
À calmaria

O penetrável mar
Perverte a pedra
E o testemunho
Que o contempla
Em romaria.



quinta-feira, 13 de junho de 2013

Quando o poema acabar..

Provável que a válvula tranque
O músculo pulsante e seus canais
Simplesmente falhem de repente
Que a intenção e seus sinais
Simplesmente travem de rompante
E da janela, a paisagem emoldurada
Do horizonte abrigue o instante
Em que tudo parou por não haver motivo.


terça-feira, 11 de junho de 2013

down jones

Roteiro de um filme:

Em Wall Street, um dos acionistas encontra uma mão no chão da Bolsa de Valores. Não entendendo o que acabara de ver, ele e alguns outros que perceberam o membro continuam seu trabalho normalmente.


Pacífico

A sabedoria indecifrável dos olhos

A cachalote emerge

A dúvida é sempre dúbia

Em sua longa cauda

A dúvida é sempre débil

Retornar às certezas abissais

Esperar e segurar o ar

Contra a involuntária contração

Os olhos e o abdome

A espera fortuita do homem

E o medo da luz solar.



segunda-feira, 10 de junho de 2013

In loco

Milagres
Migalhas
A mão que alimenta
O mártir
O cheiro do pão
A arte
E o chão
O cisco
Em um nome
Um gesto
O monte que toco
O aceno
Um beijo obsceno
O sertão que nos cerca
Milagres
Migalhas
A arte e o chão
À luz do dia,
A escuridão em foco.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Zoológico

Não entender, não torna a sentença sem sentido. E fazer sentido, não exime a sentença de não significar absolutamente nada. Há, portanto, a dimensão de uma jaula de possibilidades, que é criada pelo simples fato de existir a consciência.Você consegue ver a estrutura deste ambiente sem saída, ainda que seja impossível mensurá-lo no espaço. O zoológico de Praga está inundado neste momento, e uma cidadezinha do Oklahoma foi dizimada por um tornado. No quarto de persianas fechadas, pensamos em palavras em português, e alguém no Congo contempla formigas que se enfileiram em linha reta. O sol raia à meia-noite em Oslo.