domingo, 28 de março de 2010

Suspiros

Minha realidade foi inventada por fantasmas
E mordendo as mordaças do mundo
Escrevo -

[Corto meu tendões com a caneta
O sangue escorre em tinta
E minha vida dura um virar de páginas]

Escrever é o escarro da alma
Cadavérica, apodrecida de espectros

E enquanto as mãos deles envolvem meu coração
Meus átrios, artérias, veias e capilares congelam um a um
Até me terem petrificado por completo
De dentro para fora

De fora para dentro
O banho gelado me assombra o simulacro de existir no escuro
O escuro dos fantasmas que não cansam de socar meu estômago

Na completude dos espaços
Em suspiro asfixiado
Sou só, angústia.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre o que não se vê

Cada canto incômodo deste cômodo
Me canta um espanto:
Se sentir é um exercício de tradução,
O dicionário suicída meu pranto,
E eu engulo como Angola
O sangue bastardo da pátria de mim.

O chão defeca fecundo e indefeso
Cada peito dos que fugiam
As valas razas de almas profundas
Pavimentadas em
Semi-térios comuns
Por minas especiais.

De ver em ver, cada-ver traça a certeza camuflada
De não passar de um Passado
Pisado, vivido, senão corrido, pela implacável solidão;
Agora, abraçada enfim pela terra
A qual sempre arranhou seu escarros e tormentas.

(A íris colorida é tomada então pelo dilatar da negra pupila)

sexta-feira, 19 de março de 2010

O contrato

O austro de mim pergunta detido e acostado
O que pode passar
Meus arrepêndulos cingem meus tempos
Metrônomos do esquecer
E já emaranhado em meus retalhos
Sozinho represento no diminutivo
O maior dos papéis
Declamo-me a platéia de mim, confessando ser
Eu, o diabo que compra minha própria alma.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Retrato per si

Tensiono por meus tendões as sinas
Bebo a alma
Desperto vertendo torpor
A vontade
E esqueço a saudade e a esperança

Sou, e me basta a contingência de ser, contigo.

domingo, 14 de março de 2010

Vertigem (Sem ver-te)

O medo de altura me faz olhar pra baixo
E na altitude de 1,90m
Eu me sufoco precipitado em você
Abismando-me
Eu caio uma queda sem impacto
Nossas gravidades me fazem sentir
O asco, o sabor da realidade
Da vida, enquanto a mais bela melodia mal gravada.

Mas nada é mais intenso, e eu quero gravar, que:

Sua mão entre a minha
Livrar-me do precipício,
Sua boca entre a minha
Livrar-me da grosseria,

Você entre mim
Livrar-me do peso de existir.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Hipoéticamente

E se me liberta-se do arbítrio?
E se viver for a contínua tentativa fracassada da morte?
E se a prevenção for a causa do imprevisto?
E se alguém ja tiver dito a Verdade?
E se Deus crê em deuses?
E se eu não gastasse bons versos em poemas canhestros?
E se pudesses ler todas intenções?
E se eu nunca singrasse por seus olhos?
E se um dia esquecer seu semblante?
...

Por todas incertezas, quero estar convicto de você.