"O sereno está batendo. Vai ficar gripado, menino". Não param de falar do vazio que não vêem, quando não é este o problema. O menino tem órgãos transplantados noutros que não conhece. Não lhe falta nada. Sua saúde é perfeita. Mas o ilocalizável também faz parte do menino. Nada lhe falta, mesmo esquecendo muito provavelmente em algum canto os brinquedos que não lembra. Ele imagina os animais selvagens de estimação que ele teima pensar que estão sendo perseguidos. "Os animais estão bem" diriam os outros se entendessem metade do que se passa. É muito mais. São coisas e gestos, o sereno e a noite, o sol e a saudade. As contingências e o próprio tempo estão no corpo do menino, e articular tudo isso, seria uma forma de ignorância. Ele não saberia e sequer poderia explicar, se não fosse através de uma história. Através de um plano ou de um pano de crochê - que ele pudesse apoiar as têmporas e sentir seus bordados na espera de um almoço que perfuma o ar. Mas ele fazia tudo isso, e todos continuavam sem compreendê-lo. Até que um belo dia, o menino deixou de ser menino, e de repente o mundo passou a entendê-lo. Chamaram-no de célebre, o homem que já não entendia o próprio menino..
Nenhum comentário:
Postar um comentário