segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ave Maria

No desfiladeiro cinza passa o carro do ano. Em um minuto, a densidade demográfica não comporta a umidade relativa do ar. Ocorre que correm todos a sua coerência. E o louco, que assiste o formigueiro com atenção, esquece de almoçar sua alma penada na marmita. Em contagem regressiva, a noite anota de repente, o que contorna com sufoco o velar dos olhos cansados.Terça-feira, 18h07min, o genocídio em praça pública em forma de fila de ônibus.



quinta-feira, 9 de maio de 2013

co-rente

O mofo no guarda-roupa
E o batom no guardanapo
O guarda-costas sem roupa
E o copo plástico usado


terça-feira, 7 de maio de 2013

espelhohlepse

somos
anagrama reflexivo
som

som reflexivo
eco

eco
anagrama
oce

oce
reflexivo
mim

mim
o anagrama
sem fim


sábado, 4 de maio de 2013

C'alma

A par de tudo que pode ser feito, resigno-me a sábia preguiça. Fazer nada sustenta o equílibrio entre o pouco e o tudo. Concentro a certeza de não ter opções, e as contradições que me afetariam fortuitas já não me acertam, pois do nada que escolhi, não é o alguma coisa que certamente me arrependeria. Sem heroísmo, por favor. Os covardes é que ganharam a guerra - por serem as línguas dos olhos que morreram.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Posfácio


Após anos imerso em livros, perseguindo todas as pistas e unindo os fatos, as provas levaram a resposta do grande enigma: as coisas acontecem sem razão.

Na condição suprema de concluir, nada como perceber o óbvio com perfeccionismo. À deriva, o grande mar da irrelevância, e seus majestosos maremotos.


Re-existir

Em cada belo texto, rascunhos.
Em cada bela casa, a montanha de entulho da reforma.
Em cada minimalismo, a profusão de um lixão a céu aberto.
Em cada bela mulher, seu lado de dentro, e a privacidade do cheiro de sua flatulência.
Em cada convicção, a vergonha do que não foi dito.
Em cada cada, o resto.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

presunção banal

Essa voz inconsciente que me lê
As figuras em palavras que compõem
O quadro de coisas que eu sei
Porque saber é só saber explicar
Ou articular com o silêncio
O que o barulho do mundo
Me faz escutar.

Sem querer, a voz me narra
A poesia que a reflete.

A inconsciência consciente de si
É a própria revelação de ser
Um ser de ruído e ouvido.


Barco a Vela , Caravela

Olhem os homens-do-horizonte
Pois vos bendigo o maldizer
No silêncio do curioso olhar
O ritmo eloquente das vagas
Eu fito sua gigante canoa
Que singra no caos do mar
O que será de nossa raça
Quando estes nos ensinarem
Por fim, o que é a tal 'saudade'.


auscultado (estecoscópio)

Emergir da emergência.
Eis o provérbio que me faz.
Eis os teus eus em mim.
O disfarce que te apraz.

Umbilical

Se a inspiração de um livro
durasse o instante
faria uma bíblia que descrevesse o teu umbigo

O precipício do teu corpo
O suicídio do meu corpo
A tua marca
E tua origem
O próprio quadro do meu desejo
O Mar de tua face
O meu refúgio
O verdadeiro fruto
O princípio do teu corpo
O princípio do meu corpo.

Obliquo


Do meu corpo fechado,
A tua silhueta
A tua boceta

Como se pudesse
Mirar com meu cigarro
A tua certeza

Um beijo.


Lambido


Sublima em sua leveza secreta, a destruição.
A engenharia da noite, a beleza se configura.
Num ponto brilhante, a centelha da humanidade.
O balão nos ilumina e inflama de esperança.
E quando pousa em chama, varre barracos e montanhas.
Estrela indescente de beleza e agrura.
O fogo do inferno que nos aproxima do céu.
Consumir-se na própria pira, o inalcansável horizonte.
Desistir no pouso do acaso, o disforme peso do chão.
A festa e o rito da criação, somos todos distantes
De instantes, a forma e o fogo - o balão.


quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ponto

Dentro da floresta tropical
O formigueiro anda em linha reta.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Salvação

Salvem-me de minha inocência.
Salvem-me de minha aldeia sem lei.
Salvem-me do derradeiro juízo final.
Salvem-me da infinita terra que me guarda.
Salvem-me do assalto de meus olhos.
Salvem-me do meu canibalismo.
Salvem-me da caça.
Salvem-me de minha própria salvação.
Salvem-me da saliva que sorve de raiva.
Salvem-me da cólera dos teus deuses.
Salvem-me, homens do horizonte,
Desta língua podre que já me lambeu a alma.


sábado, 6 de abril de 2013

Serpente

Eu sonhei com um engarrafamento de proporções colossais. Um engarrafamento em que os tanques de gasolina se esgotavam antes do próximo posto. Sequer haviam postos de gasolina por perto, pois nada pode estar perto da inércia absoluta de um engarrafamento daquelas proporções. Os ambulantes oportunistas eram todos  milionários. Não restava mais nada a não ser o indulgente medo de sair do carro. Ao longo da serpente prateada de automóveis imóveis, um só organismo paralítico, que retroalimentava sua própria condição. Um engarrafamento sem porquê, com todas as razões que levaram-no a existir, o fluxo total em um único sentido em uma única direção. Acordei aliviado na profusão de uma calçada fria, os carros buzinam e minhas muletas são onipotentes.
Acessar sua lista de blogs