segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Bilhete




Ouvi dizer que passastes dizendo que passaras ouvindo o que eu dizia.
E dizendo, sem saber que ouviras, dizia eu um dito que lhe despia.
Eu, sem nem saber que existias, hesitei então quando soube - descobri-te o ouvido,
razão-de-ser da minha boca, e de meus ditos, que guardei então,
até que não passasses mais, ou pelo menos, que não dissesses mais que me ouvia.
E quando o canto virou pranto, se foi tudo o que havia, a boca já não dizia
e o ouvido já não ouvia. Até que sobrou o tato, e a mão ávida que escrevia
bilhetes engavetados a mulher dos ouvidos que não ouvia. E foram dois, sete, mil,
até que os bilhetes foram lidos todos do fundo do livro que ninguém lia. Os olhos dela
verteram pelas letras nostalgia. A água do tempo, o transe da vida
tocou dizer que passavas lendo, o que a minha mão trêmula não mais sentia.



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