quinta-feira, 30 de maio de 2013

Controle remoto

Consentir inutilmente o novo dia que raia
A nova raiva que brota da mesma segunda comum.
O amarrar do cadarço do velho sapato lustrado
O terno em forma de camisa de força
A barba feita em nome da ordem
O silêncio da serpente biônica
Uma tevê sem sinal e o rádio fora da estação
A superfície incerta do mar.
Existe alguma coisa não assimilada
Alguma coisa autônoma a esta procissão
E o mundo cairá sobre nossas cabeças
Antes que possamos olhar para cima.


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Corremos


Corremos atrás do que se move, como cachorros.

A televisão, a mulher, a notícia, o carro, o homem.

Corremos sem que haja motivos como loucos.

Damos voltas na Lagoa, para despirmos-nos da gordura.

Corremos pelas nossas vidas

Quando cachorros correm atrás de nós

Só porque corremos.


A notícia

O terror do mundo

imola e decapita uma aldeia do lado de baixo do mediterrâneo

2 terroristas

imolam e decapitam um aldeão do lado de cima do mediterrâneo

A notícia



segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ave Maria

No desfiladeiro cinza passa o carro do ano. Em um minuto, a densidade demográfica não comporta a umidade relativa do ar. Ocorre que correm todos a sua coerência. E o louco, que assiste o formigueiro com atenção, esquece de almoçar sua alma penada na marmita. Em contagem regressiva, a noite anota de repente, o que contorna com sufoco o velar dos olhos cansados.Terça-feira, 18h07min, o genocídio em praça pública em forma de fila de ônibus.



quinta-feira, 9 de maio de 2013

co-rente

O mofo no guarda-roupa
E o batom no guardanapo
O guarda-costas sem roupa
E o copo plástico usado


terça-feira, 7 de maio de 2013

espelhohlepse

somos
anagrama reflexivo
som

som reflexivo
eco

eco
anagrama
oce

oce
reflexivo
mim

mim
o anagrama
sem fim


sábado, 4 de maio de 2013

C'alma

A par de tudo que pode ser feito, resigno-me a sábia preguiça. Fazer nada sustenta o equílibrio entre o pouco e o tudo. Concentro a certeza de não ter opções, e as contradições que me afetariam fortuitas já não me acertam, pois do nada que escolhi, não é o alguma coisa que certamente me arrependeria. Sem heroísmo, por favor. Os covardes é que ganharam a guerra - por serem as línguas dos olhos que morreram.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Posfácio


Após anos imerso em livros, perseguindo todas as pistas e unindo os fatos, as provas levaram a resposta do grande enigma: as coisas acontecem sem razão.

Na condição suprema de concluir, nada como perceber o óbvio com perfeccionismo. À deriva, o grande mar da irrelevância, e seus majestosos maremotos.


Re-existir

Em cada belo texto, rascunhos.
Em cada bela casa, a montanha de entulho da reforma.
Em cada minimalismo, a profusão de um lixão a céu aberto.
Em cada bela mulher, seu lado de dentro, e a privacidade do cheiro de sua flatulência.
Em cada convicção, a vergonha do que não foi dito.
Em cada cada, o resto.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

presunção banal

Essa voz inconsciente que me lê
As figuras em palavras que compõem
O quadro de coisas que eu sei
Porque saber é só saber explicar
Ou articular com o silêncio
O que o barulho do mundo
Me faz escutar.

Sem querer, a voz me narra
A poesia que a reflete.

A inconsciência consciente de si
É a própria revelação de ser
Um ser de ruído e ouvido.


Barco a Vela , Caravela

Olhem os homens-do-horizonte
Pois vos bendigo o maldizer
No silêncio do curioso olhar
O ritmo eloquente das vagas
Eu fito sua gigante canoa
Que singra no caos do mar
O que será de nossa raça
Quando estes nos ensinarem
Por fim, o que é a tal 'saudade'.


auscultado (estecoscópio)

Emergir da emergência.
Eis o provérbio que me faz.
Eis os teus eus em mim.
O disfarce que te apraz.

Umbilical

Se a inspiração de um livro
durasse o instante
faria uma bíblia que descrevesse o teu umbigo

O precipício do teu corpo
O suicídio do meu corpo
A tua marca
E tua origem
O próprio quadro do meu desejo
O Mar de tua face
O meu refúgio
O verdadeiro fruto
O princípio do teu corpo
O princípio do meu corpo.

Obliquo


Do meu corpo fechado,
A tua silhueta
A tua boceta

Como se pudesse
Mirar com meu cigarro
A tua certeza

Um beijo.


Lambido


Sublima em sua leveza secreta, a destruição.
A engenharia da noite, a beleza se configura.
Num ponto brilhante, a centelha da humanidade.
O balão nos ilumina e inflama de esperança.
E quando pousa em chama, varre barracos e montanhas.
Estrela indescente de beleza e agrura.
O fogo do inferno que nos aproxima do céu.
Consumir-se na própria pira, o inalcansável horizonte.
Desistir no pouso do acaso, o disforme peso do chão.
A festa e o rito da criação, somos todos distantes
De instantes, a forma e o fogo - o balão.