sábado, 24 de setembro de 2022

Sinal verde

A procissão de carros

E o retorcido aço

O zumbido da ambulância

O ambulante 

Sob o indiferente sinal

Corpos abraçados

Desfigurados

E um menor abandonado

O biscoito é 1 real

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Comunhão

Na escuridão completa,


Ouço sons insondáveis,

Impossíveis, 

O som da sobrevivência

Sapos férteis,

Insetos sibilantes,

Presas livres

Pássaros a espreita,

Seres primos,

E plantas à esperança da luz.


Eu olho as estrelas

Há anos-luz.

Assisto ao passado,

Astros primos.


Na escuridão,

Em plena comunhão

O céu e o abismo.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Reflexo

Aceito todos os cookies.

Despido sobre a vigilância dos robôs

E suas taras numéricas exponenciais, 

emulo alguém inexorável.

Sigo em plena competição com a esfinge.

Limito-me a ser, apenas o possível, um paradoxo possível:

Um cookie envenenado.


Melhores



Miragens,

Milhares delas espalhadas

Pelas memórias

Pelas melhores memórias

As mulheres

Pelas melhores mulheres

Os milésimos

Os melhores milésimos

Momentos mínimos

No entanto, os melhores

E contudo, miragens.

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Ode ao sibemol

Nos intervalos,
O vôo do silêncio
Paira, 
Implacável

E quando o som
Assume a forma
Disforme de um tom,
A fúria

Revela-se
Na leveza
A beleza
Resvala
Com a frieza

E tudo
Torna-se 
um sibemol
Magno e mole
Como o fluido
Formador
Que escorre de você.

terça-feira, 5 de abril de 2022

Diálogos #1

 - Eu queria voltar ao fim da nossa conversa. Sinto que se eu perder esse fio vou ficar perdido no labirinto que trilhamos até aqui.

- Você sempre romantizando, fazendo algum tipo de metáfora.. trocadilho..

- Como assim? 

- Fio.. labirinto…

- Ah sim.. alguma força subliminar que me faz te projetar como um minotauro. Singular, bruto, e absolutamente isolado, incompreensível..

- É assim que você me vê?

- Não sei.. acho que isso que de alguma forma bizarra, essas minhas referências acabam me trazendo.

- Isso não seria só algum tipo de apropriação pra reforçar aquilo que sempre no final do dia você tem sobre si mesmo.. sempre se vendo como algum tipo de herói.

- Não acho que faz sentido.. eu não me vejo assim. Herói?

- Você é daquele tipo de que se desconecta da própria providência.. sempre tentando.. colocando os outros, o mundo como um obstáculo a ser vencido.. sendo protagonista, mas sem nunca se autoanalisar, um herói bem típico.

- Já vi que perdemos o fio..

- Pode ser.. eu pago a conta dessa vez.

- Já quer ir embora?

- A gente não acabou de acabar?

- Eu acho que a gente só está começando..

- Meu deus…

- Pensa nisso que você disse.. como a gente de alguma forma, tendo uma DR.. 

(- Mais uma DR!)

-... tentando resolver o nosso relacionamento, ou sobreviver apesar dele, a gente não acaba entrando no abismo da filosofia humana.. da razão.. do sentido de todas as coisas universais.

- Aonde que eu disse isso?

- Você sempre se faz de bruto, mas sempre manda essas indiretas bem sentimentais..

- Como assim?

- Vem falar que eu romantizo, e me chama de herói trágico, um narcisista..

- Porque é isso que você parece sempre se apresentar.. sem nem se dar conta.

- Pode ser.. mas aí quem está romantizando é você.. se fazendo de tragédia, ou do silêncio dos astros.. desse muro que não deixa nem ser pintado ou pichado de qualquer coisa..

- Você pode me pintar do que quiser.. não ligo pra isso.

- É claro que liga. Aliás, essa é a razão primordial da gente estar nessa DR. Talvez o amor seja esse impulso de pintar e se deixar pintar constantemente..

- Talvez a gente esteja nessa DR porque você acha que existe algum sentido em continuar tentando.. buscar algum tipo de reação do silêncio constante.. achar que algum dia alguém vai derrotar o minotauro.. ou ainda achar que existe algum minotauro quando na verdade todos morreram tentando sair do labirinto. Talvez você devesse amar as pessoas como elas são..

- Pode ser.. fiquei pensando aqui em qual frase eu picharia na sua testa se você fosse um muro... "só Jesus expulsa demônios das pessoas"... Vamos voltar daonde terminamos? Prometo que não vão ter trocadilhos dessa vez..

- Jesus...

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

4%

Infecto o fato com meus delírios
Ao ponto de perder qualquer conexão com a realidade
Sigo acreditando porém que viver em sociedade é um exercício constante de lembrarmos-nos da necessidade do dever -> julga-se o ato, nunca o ator. seguimos todos indecentemente inocentes, repletos de culpa no cartório.

sábado, 27 de novembro de 2021

Cosmogônico

Deus nasceu de um trago

Depois de uma garrafa de vinho.


quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Tráfego

Sê inteiro
Todavia
Que passam
Carros
Carregados 
de hipóteses.

E numa dessas,
Parado no acostamento,
Um lugar improvável
Se explica para a polícia federal do acaso
Como o flagrante foi parar ali.

Pensei:
Eles querem propina
Um regalo
Um presente
Que os faça lembrar do passado
E esquecer da fatalidade que os aguarda.

Outras hipóteses seguem
Cada qual ao seu tempo
A sua velocidade
Algumas inclusive na contramão

Já são tantas,
Que me parecem
Que a mão contrária é a minha

Seria eu
Uma hipótese evidente
Uma evidência impossível
Uma impossibilidade hipotética?

Ou apenas o eixo
A estrada pela qual escorre
O trânsito indecifrável?

Sigo a reboque
Até o fim da linha.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Aforismo deslizante

 A frase, um resvalo. Tantas coisas que deixaram de ser ditas pela vergonha. Tantos sem vergonha ditados pelas coisas. De repente, de alguma forma, eu me torno um daqueles seguranças de shopping que desliza sobre os patinetes do futuro que já existem. Não sei bem o que estou protegendo, mas a sensação parece boa.  Existo por conta de uma suposta insegurança e designado a missão de controlar não sei o que e nem porquê. Mas o deslize é fenomenal...

sábado, 25 de setembro de 2021

Aforismo ao vagalume

 Eu converso com o eco

Montanhas são paredes construidas pelo acaso

Ou pela razão ilógica do sistema

Sou o próprio sentido

Do universo que habito

Isso deveria ser fantástico

Ao invés de desesperador

terça-feira, 7 de setembro de 2021

N95

 Respiro

Um espirro

Um esporro

Sofrido


E relaxo

Com o vento

No cabelo

Raspado


Inspiro

A expiração

Nessa máscara

Hermética


E penso

O futuro

As crianças

Sem nome


Digito

Um poema

Sem tema

Um lembrete


Como foto

E o Otto

No ouvido

Escuto


Olvido

De mim

Como sendo

Um vírus


Um ser

Disperso

No universo

Onipresente


Sem deixar 

de ser

Também

Um acidente

domingo, 5 de setembro de 2021

Inventário

Não tenho muito,
Mas concedo aos vivos todas minhas
Brutas certezas.

Mas levo ao tumulo, aos vermes
A maior riqueza:
A lancinante dúvida

Espero com ela
Germinar uma nova árvore
Que dê frutos,
Que dê sementes
E que por fim dê em novas árvores, florestas.

Esta floresta de dúvidas
Irá salvar meus netos
Do deserto movediço do real.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Os autoconselhos pt. 1,11

 O orgulho é uma projeção do ego. 

Uma sombra, uma névoa do que de fato somos. 

Somos apenas o reflexo de tantos afetos que recebemos e reproduzimos.

Somos muito mais os outros do que nós mesmos. 

E quanto mais nos esquecemos disso, mais pesados ficamos.

A vida é movimento. Precisamos de leveza pra dançar. 

terça-feira, 29 de junho de 2021

Amarga

 Quando do estomago

Vaga a onda de palavras

Proferidas e que abrem

As feridas escondidas,

Já não resta nada 

A que pese consertar.


Tenta-se um drama

Uma falsa promessa

Ou uma prova de amor.


Não resta nada, nada.

Apenas memórias

Delinquentes e

Ululantes como a lua,

E tão distantes como tal.