A opulente norma que recai sobre os ombros. O sonho em que todos vestidos ignoram nossa nudez, e a vergonha se revela como é: um fragmento irreversível desse espelho. Compomos o vitral do absurdo com nossos medos e coragens. A condição humana luta contra o caos à disposição de sua fábrica de linhas retas, e contempla na pele o despropósito frio das ondas do mar. Como eu posso encarar o que não tem rosto? O ímpeto em seguir o fluxo é o mesmo de nadar contra uma maré que já secou. Projetamos na parede do quarto nossos próprios demônios e são eles que nos alimentam de esperança. Melancolia é sentir saudade do porvir. Lembrar com afeto do cheiro da chuva que virá. São tantas coordenadas, tantas possibilidades que me canso em meio as nuvens de pensamentos do pé da cama. E a preguiça se revela em um bocejo. Já é tarde, e algo me diz que você ainda me entende, mesmo através do inalcançável. Preciso descansar, estou morto. Estou torto como a torre que sustenta o universo. E ironicamente parece não haver melhores noites de sono do que as que me deito sobre esta tensão estranguladora - a solitária e frágil força que impede de tudo ruir sobre si mesmo. Quero dormir na ponta do abismo e sonhar um sonho em queda livre.
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Cabeceira
A opulente norma que recai sobre os ombros. O sonho em que todos vestidos ignoram nossa nudez, e a vergonha se revela como é: um fragmento irreversível desse espelho. Compomos o vitral do absurdo com nossos medos e coragens. A condição humana luta contra o caos à disposição de sua fábrica de linhas retas, e contempla na pele o despropósito frio das ondas do mar. Como eu posso encarar o que não tem rosto? O ímpeto em seguir o fluxo é o mesmo de nadar contra uma maré que já secou. Projetamos na parede do quarto nossos próprios demônios e são eles que nos alimentam de esperança. Melancolia é sentir saudade do porvir. Lembrar com afeto do cheiro da chuva que virá. São tantas coordenadas, tantas possibilidades que me canso em meio as nuvens de pensamentos do pé da cama. E a preguiça se revela em um bocejo. Já é tarde, e algo me diz que você ainda me entende, mesmo através do inalcançável. Preciso descansar, estou morto. Estou torto como a torre que sustenta o universo. E ironicamente parece não haver melhores noites de sono do que as que me deito sobre esta tensão estranguladora - a solitária e frágil força que impede de tudo ruir sobre si mesmo. Quero dormir na ponta do abismo e sonhar um sonho em queda livre.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Redemoinho
Tudo gira em torno de você. Tudo te circunscreve. À parte isso, tu é incapaz de fazer o mundo girar. Tu segues a lei dos homens por vontade, e a lei das coisas por obrigação. Não há alforria concedida pela gravidade. E os teus sonhos são também correntes. Tuas aspirações e os teatros sociais. Teu café da manhã. E a tua notícia do psicopata que matou vinte crianças. O teu psicopata e as tuas crianças estão mortas. E o teu café ainda não está no fim.
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Traço
____________________________________________________revolvem todas as perguntas _________________________ a curva interroga em fina ponta ___________________________________________ um gancho que toca a garganta ____ Por que _________ por onde ao que ______ a glote engole ___ O que você está falando ______ e desce no arrasto digestivo do esôfago _______________________________ e se o hífen, e se o ínfimo gesto da resposta te fizer calar ______ com que cuspe te alimenta, senão nessa auto-ingestão de questionar _________________ a subsistência, o monumento mecânico da consciência do universo ___________________ movediçamente na grafia desse abismo ___________________________ fazer deste a conferência __________________________________________ o eco que te reflete, a frase que te define __________________________________________________________________________________________________________________________________ e as rugas já apertam ao peito __________ o flácido pulso que empunha o relógio levanta agora o dedo ao cego professor _______________________________________________________________ a aula termina, e o caderno contempla em lacunas o que faz da vida valer a pena________________________________
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Binômio explicado
O teu sorriso
O esboço
Do teu osso
[Explicação:
Você sabe,
a mágica do mistério
Quando se faz de séria
Esconde os dentes com a pele
E quando mostra todos assusta
Por ser espectro da morte
Mas por sorte
Tu sabes no entreabrir da boca
Fazer da dentadura um sol.]
Encontrei deus
Como o outro
No fundo do poço
[Explicação:
Você sabe,
prometem a segunda
Quando na primeira vinda
Foi a vida, e o mistério do milagre
Das mil lágrimas de Maria
E de todo sofrimento
Deus está no chão
O fel de seus fiéis
No firmamento demonizado de perguntas,
a redenção]
O esboço
Do teu osso
[Explicação:
Você sabe,
a mágica do mistério
Quando se faz de séria
Esconde os dentes com a pele
E quando mostra todos assusta
Por ser espectro da morte
Mas por sorte
Tu sabes no entreabrir da boca
Fazer da dentadura um sol.]
Encontrei deus
Como o outro
No fundo do poço
[Explicação:
Você sabe,
prometem a segunda
Quando na primeira vinda
Foi a vida, e o mistério do milagre
Das mil lágrimas de Maria
E de todo sofrimento
Deus está no chão
O fel de seus fiéis
No firmamento demonizado de perguntas,
a redenção]
O Lete
No fim do veio do Rio Lete, quando sobrara somente um filete de córrego, um rato saciava sua sede. No exato instante em que satisfez-se, deu-se por conta de que não lembrava o caminho que havia feito até ali. Num determinado momento, não lembrara de mais nada. E tomado pelo infinito esquecimento, já era incapaz de saber o que sentia, e sem sequer dar-se por conta do próprio sentimento, o rato se tornou o Mundo.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Bilhete narrado
Inacabadamente
Cabalisticamente
Um contagem regressiva
Regride-me
Ao grito primal
Eu podia sentir
O teu calor amniótico-
De fora:
O ar-condicionado que invernizou o mundo
De dentro:
Aquele velho edredon
O nosso sudário da sacanagem
Eu podia sentir
A juventude de nossos corpos
O brinde e o gole de todos os copos que eu bebi
De cada articulação de nossos músculos
Da distância infinita de dois narizes
Eu sentia o redemoinho do teu ouvido
E ouvia a brisa do teu suspiro
Eu podia sentir tudo
Até que deixei de sentir
Como havia deixado de viver
Parei de sentir..
E passei a lembrar
Uma lembrança quase objetiva
Um quadro de cada cena
Todos muito intensos
Lembrei de quando
Provei amoras pela primeira vez
Mas não sentia o gosto
Não sentia teu rosto
Mas lembrava dele
E como havia deixado de viver
E de sentir
Passei a deixar de lembrar
Como se meu espírito
gradualmente
resvalasse
pelo vale
movediço
da ampulheta
E agora
passo a ter o medo
da gravidade do mundo
como quando nasci
como quando nasci
como quando nasci
como quando nasci
Cabalisticamente
Um contagem regressiva
Regride-me
Ao grito primal
Eu podia sentir
O teu calor amniótico-
De fora:
O ar-condicionado que invernizou o mundo
De dentro:
Aquele velho edredon
O nosso sudário da sacanagem
Eu podia sentir
A juventude de nossos corpos
O brinde e o gole de todos os copos que eu bebi
De cada articulação de nossos músculos
Da distância infinita de dois narizes
Eu sentia o redemoinho do teu ouvido
E ouvia a brisa do teu suspiro
Eu podia sentir tudo
Até que deixei de sentir
Como havia deixado de viver
Parei de sentir..
E passei a lembrar
Uma lembrança quase objetiva
Um quadro de cada cena
Todos muito intensos
Lembrei de quando
Provei amoras pela primeira vez
Mas não sentia o gosto
Não sentia teu rosto
Mas lembrava dele
E como havia deixado de viver
E de sentir
Passei a deixar de lembrar
Como se meu espírito
gradualmente
resvalasse
pelo vale
movediço
da ampulheta
E agora
passo a ter o medo
da gravidade do mundo
como quando nasci
como quando nasci
como quando nasci
como quando nasci
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Ricochete
Todos os lápis apontados,
Todos gatilhos puxados,
Nos tambores vazios, o 'cleck'
Na sorte certa da morte, o 'powl'.
O beatle não, doutor
Esse é hit, mais um hit
Dali na Síria do Alemão
No olho palestino
Nas costas do Sudão
Numa vala no Congo
Entre o indicador e o dedão
Calibre grosso de cano longo
Um outro hit
Em nome da revolução
Estamos quites
A poça vermelha da religião
Marchemos todos serenos
No ricochete da rotina
Até que a bala perdida
Nos encontre
Antes que saque do coldre
A juventude
De um pobre negro de atitude
Ou feche o saco preto que cobre
O que não queremos ver.
Esse é hit, mais um hit
Dali na Síria do Alemão
No olho palestino
Nas costas do Sudão
Numa vala no Congo
Entre o indicador e o dedão
Calibre grosso de cano longo
Um outro hit
Em nome da revolução
Estamos quites
A poça vermelha da religião
Marchemos todos serenos
No ricochete da rotina
Até que a bala perdida
Nos encontre
Antes que saque do coldre
A juventude
De um pobre negro de atitude
Ou feche o saco preto que cobre
O que não queremos ver.
terça-feira, 27 de novembro de 2012
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Intifada
Agora, a liberdade tem cheiro de sangue vivo. E não nos encontramos mais depois que as armas descarregaram. Me lembro do raiar de um dia, em que os zunidoz dos aviões imitam a noite e a estridência regressiva das bombas, trovões violentamente programados. À duas quadras, o corpo de uma mulher. À duas quadras... E agora, eu só tenho medo do canto do galo e do nascer do sol. A boca crivada de falas. Alá é maior! Alá é maior!
terça-feira, 13 de novembro de 2012
Anúncio
O gradiente cinza
A contagem regressiva:
A árvore alada
Queima a noite
Em praça pública
Chama horizontal,
Inquisidora madrugada
Feita espada
Amputa as putas de suas praças
Solfeja o bocejo dos insônes
E revela os gritos da calada
Desencanta a escuridão
Com o claro óbvio
Ululante.
A cruel ave de fogo
Desalma amores em ceifadas
As velas acesas
Já não servem de mais nada
Alvorada
Não há mais o foco
Tudo esclarece
No falecimento da sombra
Tudo reluz
No fio da faca
Cega alvorada
Não vês que a flor da pele
Não precisa de cor
Mas brota ao ser tocada
E no anúncio
do Quase,
Na lúgubre
Certidão de morte
Do Escuro
Os olhos dormem
Pra ver as coisas como são.
sábado, 10 de novembro de 2012
postum
nada é mais inspirador do que o que o melhor poema do mundo prestes a ser escrito.
e o sucesso de um fracasso enfeitado.
e o sucesso de um fracasso enfeitado.
petróleo
as probabilidades
não calculam
a chance do
equilíbrio do dado por uma
de suas arestas
ou a influência
de seus resultados
diante dos fatos calculados
ou a vertigem da coincidência
eu me sinto vivo mastigando chiclete.
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
o coletivo
roletas
ressoam
em
coletivos
anônimos
todos
os
ônibus errados
levam ao mesmo lugar
errado
na rússia
as roletas
ressoam
em coletivos
anônimos
que levam
a lugares
errados
em serra leoa
coletivos
anônimos
em lisboa
lugares
errados
no rio
os ônibus
errados
cruzam a noite
rumo a lugares
errados
em todos
os lugares
em todos
os coletivos
os lugares
errados
atravessam
as noites
anônimas
pelas janelas
dos ônibus
errados.
até
até
que
o lugar certo
passa
mas
não para no ponto.
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